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  • Foto do escritorColetivo Capoeira Angola UFABC

Era um tal de Besouro Mangangá

Hoje, dia 08 de Julho de 2021. Há quase 100 anos atrás, 97 para ser exato, uma das maiores e se não a maior lenda que a capoeira teve fez sua passagem. Manuel Henrique Pereira, mais conhecido pelo seu apelido que muitos só de ouvir sentiam arrepios. Besouro Mangangá, Besouro Preto ou simplesmente Besouro, nasceu no quilombo Urupy pertencente a um distrito de Santo Amaro da Purificação. Vale esclarecer que apesar de ser conhecido como Besouro, o inseto na verdade é uma abelha, a Abelha mangangá, típica daquela região e que por sua semelhança com um besouro passou assim a ser identificada.


Segundo Pedro Abib, no livro Mestres e capoeiras famosos da Bahia: “Seu primeiro contato com o mundo da capoeira se deu com um velho africano de nome Alípio, que era cativo do Engenho Pantaleão. Nas lavouras de cana, o discípulo ouvia e aprendia com os velhos os ensinamentos da capoeiragem. Tio Alípio era babalaô, tinha sido escravo de gente de posse ainda moço jovem, filho de uma negra que veio num tumbeiro trazida do porto de São Jorge da Mina, no Daomé.”



Conforme o livro Feijoada no paraíso: A saga de Besouro, o capoeira; da autoria de Marco Carvalho: “Foi Tio Alípio quem ensinou a Besouro a lição de esperar. Que quem sabe esperar, sabe que nem precisa esperar sempre. Ensinou a não desistir. Que luz, lua, sol e tamarindeiro são os fundamentos da arte, da rima e do ritmo dos riachos. E aquele que mata o pássaro ontem com a pedra que atirou hoje, não é mesmo aquele o tristonho, o mafioso, o canho, o danado, ou o pobre como o tratam hoje. Por que rica é a igreja, pois o diabo mesmo é pobre. Enfim, ensinou Manoel Henrique a ser Besouro.”


Besouro serviu por um tempo no exército em Salvador, no 35º Batalhão de infantaria (Onde estava sendo treinado para combater na primeira Guerra Mundial), onde se envolveu em uma confusão por conta de um berimbau que estava apreendido na delegacia já que naquele tempo, a capoeira era perseguida. Outra de suas façanhas foi quando Besouro havia trabalhado num engenho e quando foi receber o pagamento não estava presente, quando o responsável pelo pagamento o chamou algumas vezes e viu que o mesmo não respondera, disse: “Quebrou pra São Caetano”. Que nada mais era do que um calote. Após isso, no outro dia lá foi Manuel para receber o seu pagamento, e como o responsável se negou a fazer o certo e insistiu ter quebrado para São Caetano, podemos imaginar o que de fato foi quebrado....


Pedro Abib no livro já referido, conta que “certa feita, empregou-se na fazenda do Dr. Zeca, pai de um rapaz conhecido por Memeu. Besouro, se desentendeu com o dito cujo e foi com ele às vias de fato, sendo então, por esse motivo, marcado para morrer. Homem influente, o Dr. Zeca mandou pelo próprio Besouro, que não sabia ler nem escrever, uma carta para um amigo seu, administrador da usina de Maracangalha, dando ordens para liquidar com o portador.


O destinatário, com rara frieza, pediu para que Besouro esperasse a resposta até o dia seguinte. Contam inclusive, que nessa noite, arranjaram mulher para dormir com Besouro, e que ele havia passado por baixo de cerca de arame farpado, “[...]coisas que quem tem o corpo fechado, não pode fazer, de jeito nenhum, antes de briga!” (M. João Pequeno). No outro dia, pela manhã, logo cedo, foi buscar a resposta, sendo então cercado por 40 soldados, que incontinente abriram fogo, sem, no entanto, atingir seu alvo. Besouro manejava o corpo assim, assim, se livrando das balas e dando boas gargalhadas. Um homem, no entanto, conhecido por Eusébio da Quibaca, aproximou-se sorrateiramente, aproveitando descuido seu, e o atingiu com uma faca de ticum, segundo contam, a única forma de ferir mortalmente quem tem o corpo fechado.” (Uma outra história de Besouro pode ser encontrada no nosso último texto, dá um conferida lá)


Ainda sobre a morte de Besouro, segundo os mais antigos, Besouro foi cortado no dia 06 de julho (vindo a falecer somente 3 dias depois), quando voltava de um samba e na época trabalhava como vaqueiro em Maracangalha, por homens matadores de porcos, conhecidos como bagarefes. O corpo de Besouro foi deixado para morrer a míngua, uma vez que tanto a polícia como a sociedade da época não gostavam dele.



Sobre Besouro, um de seus mais conhecidos discípulos, o Mestre Cobrinha Verde, no livro Capoeira e Mandingas de Marcelino dos Santos, diz que “Naquela época, Besouro ensinava capoeira aos alunos escondidos da polícia, porque, a polícia perseguia muito. No dia que estava aperriado quando a policia vinha pra acabar, ele se revoltava, mandava os alunos fugirem e dava testa à polícia sozinho”


Ainda Mestre Cobrinha Verde: “Meu apelido, Cobrinha Verde, quem botou foi o próprio Besouro, meu mestre. Poque eu era muito veloz. Eu era tão ligeiro que um dia ele me botou no quadro prá jogar facas em mim, prá ver se seu sabia me defender. Eu peguei a faca 2 vezes.


Quando Besouro, ensinava aos seus discípulos e via que o aluno estava preparado, ele fazia esta experiência: Se fechava numa sala com um discípulo, metia a mão num punhal e dava outro ao discípulo e dizia: Vamos trocar facas com uma toalha amarrada na cintura dos dois, prá um não fugir do outro.”


Como vimos Besouro foi um personagem que envolvia mistério, mandinga, luta, perseguições e injustiças. Tido como valentão. Mas na verdade, um homem que não se acomodava com as injustiças que sofria de uma sociedade que ainda via e tratava o negro como escravo, sofrendo todo tipo de preconceitos e abusos. Besouro surge como o herói que não se cala diante destas atrocidades e que, se necessário, partia para as vias de fato para defender o que julgava certo.

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