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Foto do escritorRenan Lopes

Filosofia Latino-Americana, com o professor Daniel Pansarelli

Após tantos encontros como orientador das nossas atividades e mediador de discussões, no dia 14/10 foi a vez do professor Daniel Pansarelli ser o nosso convidado. O tema principal da conversa foi a construção histórica de uma visão filosófica latino-americana, baseada principalmente nos fundamentos da filosofia da libertação, de Enrique Dussel. Como texto base para nossa discussão foi escolhido o Capítulo 1 - A Dimensão Histórico Antropológica do livro Filosofia Latino-Americana a partir de Enrique Dussel, do próprio professor Daniel.

Enrique Dussel nasceu na Argentina em 1934, tendo depois se naturalizado mexicano. Graduado em Filosofia e Teologia, e doutor em Filosofia e História, Dussel é fundador e presidente da Associação de Filosofia e Libertação, e desde o início da década de 1970 se dedicou à produção de uma filosofia latino-americana, que trouxesse novas epistemologias mais compatíveis com a realidade vivida no continente, tanto pelas peculiaridades de sua construção histórica quanto pela realidade social vivida pelas diferentes culturas habitantes de seu território.

O início da nossa conversa se deu a partir de uma provocação. Até meados do século XV, é transmitida tanto pelo ensino formal quanto pelas produções midiáticas e literárias a ideia de uma Europa pobre, assolada por doenças, fome, miséria e guerras. O que teria alterado esse cenário de maneira tão abrupta, de forma que no início do século XVI, países como Portugal e Espanha já se estabeleciam como grandes potências da navegação? Além disso, como em poucos séculos houve uma transição tão abrupta, tirando a Europa da periferia do sistema global e a posicionando como centro econômico, principalmente com o advento da Revolução Industrial?

Para entender melhor essa questão, o professor Daniel nos fez retroceder no tempo, trazendo uma nova perspectiva de construção histórica do mundo. Essa retrospectiva está presente também no texto-base, indicando os estágios de desenvolvimento político de sistemas regionais pré-modernos: Egípcio-mesopotâmico, Indo-europeu e Asiático-afro-mediterrâneo. De maneira resumida, tal discussão foi importante para o coletivo por fortalecer uma visão pouco difundida em nosso senso-comum: a ideia de um centro comercial, filosófico e político de grandes proporções anterior a “centralidade” do continente Europeu. Tal bloco de relações econômicas, científicas e filosóficas se estendia da região desde o Norte da África até a China, incluindo a região da Índia e dos países árabes.

Pansarelli nos traz uma visão diferente da que é retratada usualmente nos livros didáticos de história, em que os países europeus teriam se lançado às Índias em busca de “especiarias”, uma visão tão simplista quanto ilusória, pois não parece razoável que estes exploradores tenham se aventurado em empreitadas tão perigosas e incertas por um motivo tão irrisório.

Em alternativa a essa narrativa fantasiosa, o professor argumenta que, ao contrário do que nossa educação colonizada nos faz acreditar, a Europa era periferia dos sistemas regionais existentes naquele período, tendo dificuldades de acesso aos centros comerciais e produtivos, o que obrigou os seus países a buscarem rotas alternativas pelo oceano atlântico, o que faria com que “descobrissem” o novo mundo quase que acidentalmente.

A própria noção de descobrimento é contestada por Dussel, pois ela está arraigada na perspectiva eurocêntrica dos “conquistadores”. O que houve na Ameríndia foi um encobrimento das organizações políticas e modos de vida aqui pré-existentes, em nome de uma lógica exploradora e colonial. Foi a exploração das riquezas e recursos aqui encontrados a responsável por retirar a Europa de seu lugar periférico e alçá-la ao posto de centro econômico e político do sistema-mundo.

A exploração e dizimação dos povos originários de nossa terra foi legitimada graças ao aval da Igreja Católica, na figura do Papa Alexandre VI, que visando garantir a sua influência política, autorizou que os monarcas de Portugal e Espanha tivessem a posse sobre todas as terras, recursos e povos encontrados, inclusive com o dever de “reduzi-los à fé cristã”. Em outras palavras estava autorizado o massacre e escravização dos povos indígenas, para que estes pudessem trabalhar na extração do ouro e prata aqui descobertos.

Esta posição foi alvo de um debate em 1550 entre o frade dominicano Bartolomé de Las Casas e o doutor Juan Ginés de Sepúlveda no que ficou conhecido como Junta de Valladolid. A intenção deste debate era decidir se era justo tudo aquilo que estava ocorrendo no novo mundo. O argumento de Ginés de Sepúlveda partia da premissa de que havia alguns povos que naturalmente deveriam ser escravizados, por serem incivilizados e no limite, inumanos, o que tornaria quase uma incumbência moral que estes fossem dominados e subordinados a fé cristã. Já Las Casas, advogava que os nativos possuíam alma, e portanto eram seres humanos também, o que tornaria sua escravização e extermínio um crime. No fim, a posição do clérigo venceu, o que não impediu que a visão de Sepúlveda se perpetuasse ainda por muitos anos, possivelmente até a atualidade, na medida com que ainda enxergamos essas populações com um olhar colonizador.

O exemplo de Las Casas e Ginés de Sepúlveda ilustra a importância da filosofia nos rumos da civilização, combustível para debates de ideias que influenciam a opinião pública, as decisões de governantes, o conhecimento científico e outras áreas tão importantes para o desenvolvimento da humanidade. Porém, ao se pensar na América Latina, cuja constituição cultural e histórica está relacionada ao apagamento da cultura dos povos originários e também dos negros escravizados trazidos para o continente, é inevitável concluir que uma filosofia que atenda aos interesses e necessidades locais deve buscar diferentes epistemologias, mais adequadas à realidade vivida.

Dessa forma, a Filosofia da Libertação busca uma nova maneira de fazer filosofia, voltada para a libertação das vítimas, e, para isso, busca novos alicerces que incluam outros saberes e visões de mundo, fora a base comum que sustenta a filosofia ocidental. Como “vítimas” entende-se todo ser vítima de um processo de opressão, incluindo nos seus debates, dessa forma, questões como o racismo, sexismo, xenofobia e discriminação religiosa.

A aula do professor nos ajuda a entender um pouco mais sobre a importância da Capoeira Angola numa perspectiva histórica global, e sobre como o papel que desempenhamos está inserido num contexto de grandes proporções. Nossa gratidão ao professor Daniel Pansarelli, tanto pela conversa e o tempo que passou conosco, quanto pelo apoio que sempre vem dando ao nosso projeto!




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