Acácio Sidinei Almeida Santos, querido professor doutor e pesquisador em África, e também Pró Reitor de Assuntos Comunitários e Políticas Afirmativas da UFABC, esteve presente em mais um encontro do Coletivo Capoeira Angola UFABC, ocorrido no dia 07 de outubro.
O texto escolhido para fomentar as discussões foi o artigo “Notas sobre a Solidariedade e o Fenômeno da Orfandade na Sociedade Akan-Agni Morofoé Da Costa Do Marfim (África Do Oeste)” escrito por nosso convidado no ano de 2006. O contexto que o levou a desenvolver o tema se deu durante o trabalho de campo na Costa do Marfim, em seu doutorado, momento no qual o país enfrentava a pandemia da AIDS, assim como uma grave crise política que colocava na ordem do dia o debate acerca do desenvolvimento do capitalismo, bem como a adoção de um novo código de família que, em consonância com o projeto desenvolvimentista, buscava suprimir relações tradicionais.
“Em outras palavras, tratava-se de suprimir a diversidade de costumes locais dos sessenta grupos étnicos que, baseados no direito costumeiro, regulavam as relações de poder e de solidariedade comunitária no interior de cada uma das sociedades. Esses são, a nosso ver, elementos importantes na compreensão do fenômeno da orfandade e da crise da solidariedade comunitária vivida pelos Agni Morofoé, subgrupo do grupo Akan.”
Tal movimento realizado pelo governo marfinense caracteriza o desafio a ser compreendido pelo artigo, já que aborda as transformações sociais causadas por esse novo código e, da mesma forma, seu impacto nas redes de solidariedade comunitária. A diversidade dos costumes locais foi atingida através do movimento de inserir uma série de leis que alterava essencialmente as estruturas familiares dos marfinenses, levando ao pressuposto de que adequada é a família nuclear, que carrega consigo os elementos constitutivos da modernidade, que são: monetarização das relações de produção e das relações sociais, autonomia dos agentes econômicos, mobilidade social e espacial dos trabalhadores etc.. As alterações na legislação foram realizadas objetivando cumprir uma agenda política. Cito:
“cumprem as reais necessidades de implantação do modelo ocidental, sem o qual a proposta modernista naufragaria, extrai daquela sociedade os elementos da solidariedade comunitária e estabelece a lógica da dívida, fazendo dos pactos ancestrais simples contratos do tipo credor/devedor.”
Durante o encontro, o professor Acácio trouxe elementos que fizeram ser compreendidas as razões que o levaram, já muito jovem, ao desejo de ir para África. De sua história e dos desdobramentos sociais vividos pela grande parcela de brasileiros que enfrentam a mesma realidade, de um garoto preto que iniciou a jornada de trabalho na idade de transição entre a infância e a adolescência devido à necessidade de sobreviver, morador de uma região humilde, filho de mãe empregada doméstica, aos elementos antropológicos de leitura da sociedade e da forma de organização de comunidades negras.
Foi expresso de forma ainda mais nítida a realidade que é o apagamento da memória negra na cidade de São Paulo através do exemplo da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos homens pretos, localizada na Rua do Rosário.
Foto retirada do blog do Coletivo Crônicas Urbanas (clique aqui).
Hoje essa rua é chamada de 15 de Novembro e, a Igreja do Rosário vista na foto, é o prédio conhecido hoje como Farol Santander. A região do chamado Farol Santander, junto ao bar Salve Jorge e à Bolsa de Valores, todo aquele complexo era outrora propriedade de populações negras.
Da mesma forma, o exemplo da Liberdade, nas palavras do professor Acácio:
“As pessoas vão à Liberdade e dizem ‘Ah, vamos a um bairro oriental’, a Liberdade sempre foi um bairro negro! [...] Aquilo que sempre existe na história: os pretos, os pobres e as putas vão sendo expulsos do centro da cidade.“
O trecho acima foi retirado da gravação decorrente do encontro entre o professor Acácio e o Coletivo de Capoeira Angola UFABC. Clique aqui para acessar!
E toda propriedade da população negra, bem como as marcas históricas de suas vidas e lutas, tudo foi apagado.
Ao mesmo tempo em que se compreende o caminhar da história e as mudanças materiais da cidade, torna-se necessário realizar outro questionamento: por que se organizavam os pretos em irmandades? O professor Acácio possui uma hipótese:
“Se organizam em torno de irmandades porque apenas estando vinculados a irmandades era garantida a boa morte. Era garantido também a realização de ritos funerários que tornavam possível a criação do ancestral. [...] Eu quero ver como isso acontece na África”
O trecho acima foi retirado da gravação decorrente do encontro entre o professor Acácio e o Coletivo de Capoeira Angola UFABC. Clique aqui para acessar!
Quando refletimos a respeito do conteúdo precioso escrito no artigo, junto às reflexões traduzidas na vida de um homem preto que encontrou o caminho para as respostas às seus tantos porquês, e somamos-as às denúncias relativas ao apagamento histórico afro-brasileiro, torna-se nítida, mais uma vez, a necessidade de defender nossos símbolos, a memória, a tradição, a ancestralidade. A Capoeira tem se reinventado todos os dias, mas segue carregando e defendendo o sangue e a tradição de seus ancestrais. Essa defesa posta em prática, contribuirá para que muitos outros homens e mulheres do nosso povo negro também encontrem suas dúvidas e busquem por suas respostas.
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